sexta-feira, 3 de maio de 2013

Acreditar

A vida até não me corre mal .
Dizer isto, hoje em Portugal 2013, parece até estranho por entre tantos cortes, dívidas, recessão, desemprego e desgraças várias.
Vivo com menos dinheiro que há alguns atrás, fruto da conjuntura, mas ... o dinheiro não é tudo, tenho saúde, emprego e uma quinta, onde posso "cavar" os dias, combatendo o stress inevitável do quotidiano.
Desligo cada vez mais a televisão, recuso-me a ver os comentadores da tanga, pagos a peso de ouro, para nos endrominarem e nos convencerem da inevitabilidade do cataclismo social, da penúria económica do guetto existencial.
Tinha pois algumas condições para curtir o presente, com alguma tranquilidade, sem pensar no futuro, como um toxicodependente que vive apenas um dia de cada vez .
Tinha, mas ....
Mas tenho uma mágoa no fundo dos instantes, uma sombra sobre os meus dias, uma angústia entorpecente, uma inquietação ....
Não acredito num futuro para Portugal !
E isto é realmente tramado ! Como podemos viver numa terra, num país em que não acreditamos ?
Não tenho resposta para esta pergunta.
E no entanto levanto-me da cama todas as manhãs.... lavo a cara, lavo os dentes e vou á luta ... como fiz ao longo de todos estes anos.
Como é possível, interrogo-me, quando paro um pouco para pensar ... como é posível ?
Como posso pensar isto, sentir isto, viver isto ... e ainda não ter feito a mala e partido em busca de outro local, em que pudesse acreditar .... em que valesse a pena lutar, sonhar, ambicionar, desejar ....
Raízes, será talvez a resposta ... filhos, emprego, companheira, alguns amigos .... e a terrível angústia de como uma terra tão maravilhosa, pode ter umas pessoas tão merdosas !!!
Acho, com cada vez mais força, que o nosso principal problema, não é a dívida, nem o défice, nem a crise !
O nosso grave problema, aquele que nos impede de ser felizes, de viver sem apertos e misérias .... é a MENTALIDADE.
 E essa não mudou, apesar destes anos, em que fomos confrontados com os fantasmas da bancarrota, do caos social e da penúria económica.
Olho à minha volta e os sintomas continuam todos lá .... como há 3 anos, como há 30 anos, como provávelmente há 300 anos !!!
Continua a inveja, continua o egoísmo, continua a falta de solidariedade, continua o individualismo, continua a irresponsabilidade e o não compromisso, continua a soberba, continua a falsidade, continua a incoerência, continua a contradição, continua o despesismo e o desperdício ...
Podia contar aqui algumas histórias, mas para quê ?
Amanhã o Zé, pensou em fazer uma "ajudada" para acabar de construir o galinheiro de paletes.
Pensou, mas já não faz .... uma "ajudada" sem ajudantes, é como uma feijoada sem feijões ( apenas eu confirmei a minha presença !) ....
Que tristeza, não é ? ...
Continuamos "orgulhosamente sós" (como dizia o Salazar) só que agora sem orgulho !!! apenas sós .... enquanto nos fodem constantemente .
Será masoquismo ?
Ou apenas mediocridade ? ...

2 comentários:

francisco oneto disse...

Pois é amigo João... O problema das mentalidades é, também, porque continuamos a ser dominados pelos que acreditam mais nas doutrinas de Friedman, Hayek e Von Mises, do que em Latouche, Petrella ou Van Parijs... O austeritarismo, o dogma da imaculada escassez e toda a mentira do homo oeconomicus, continua a ser ensinada como verdade revelada. E pouco podemos fazer face à onda avassaladora que vai destruindo tudo à sua passagem, em nome dos mercados... Pois... aqui, de facto, não parece haver grande futuro... Ao que parece, estou à beira do desemprego, pelo menos a avaliar pela pressão do assédio moral que se intensifica. Anunciaram aqui o fim de alguns cursos. Foi-nos dito que o meu trabalho e o dos meus colegas significa para a instituição um desperdício de 260 euros por hora de trabalho. Já sou só despesa inútil. Não tarda serei lixo... Talvez sobreviva, talvez não. Por agora, só resta a incerteza.

Unknown disse...

Amigo Chico.
Li com tristeza as tuas palavras e senti uma enorme revolta por esta nossa nova condição de "malditos e descartáveis" funcionários públicos.
Estes filhos de puta que nos controlam, fizeram vingar a ideia de que tudo o que é publico e estatal é mau, despesista e inútil, quando a realidade nos mostra, que tudo, ou quase tudo o que foi privatizado, mudou para pior, para maior ineficiência, maior custo e pior serviço.
O problema Chico é que sempre fomos demasiado bonzinhos e moles !!!
Fizemos um 25 de Abril com cravos em vez de balas e o resultado está á vista !!!
Português ladra muito, mas não morde .... e isso é excelente para todos os pulhas, os vigaristas e os corruptos, poderem reforçar a sua riqueza, aumentar o seu roubo e até gozar com estes otários, que pagam, pagam e até parece que gostam de ser enrabados !!!
Parece íncrivel, que sendo eu como tu sabes, um pacifista ... chegar ao ponto de achar que isto já só vai a tiro ... e dar por mim a desejar que haja alguém com tomates para ressuscitar as FP 25, ou as Brigadas Revucionárias de outrora.
Força aí compadre! A vida não acaba com fim da Universidade, da Escola, ou do emprego ... temos força para sobreviver e começar a mudar o paradigma, por nós próprios !!!!
Abraço.